Thérèse Raquin - Émile Zola - Émile Zola - E-Book

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Émile Zola

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Beschreibung

Thérèse Raquin  es una intensa exploración de la naturaleza humana, los deseos reprimidos y las consecuencias de decisiones apasionadas. Émile Zola  construye un estudio psicológico y social sobre los impulsos primitivos y la culpa, ambientado en el París del siglo XIX. La novela sigue a Thérèse, una mujer atrapada en un matrimonio sin afecto, quien inicia una relación clandestina con Laurent. La obra disecciona las tensiones entre el deseo y la moralidad, resaltando la degradación psicológica de los protagonistas tras un crimen que los une y, al mismo tiempo, los destruye. Desde su publicación, Thérèse Raquin ha sido reconocida por su enfoque realista y casi científico de la psicología de los personajes. La narrativa, marcada por un naturalismo implacable, examina cómo el entorno y las pasiones moldean el destino de los individuos. Su impacto sigue vigente, no solo por su crudo retrato de la culpa y la obsesión, sino también por su cuestionamiento de las convenciones sociales y el determinismo humano. La relevancia duradera de la novela radica en su capacidad para exponer los conflictos internos y las devastadoras consecuencias de las acciones humanas. Al explorar los límites entre el instinto y la responsabilidad, Zola invita al lector a reflexionar sobre la fragilidad de la moralidad y la inevitabilidad del castigo psicológico

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Veröffentlichungsjahr: 2025

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Émile Zola

THÉRÈSE RAQUIN

Sumário

INTRODUÇÃO

PREFÁCIO

THÉRÈSE RAQUIN

INTRODUÇÃO

Émile Zola

1840 – 1902

Émile Zola (1840-1902) foi um escritor francês amplamente reconhecido como um dos principais expoentes do naturalismo na literatura. Nascido em Paris, Zola destacou-se por sua abordagem detalhista e realista, explorando temas como desigualdade social, determinismo e a influência do meio sobre o indivíduo. Suas obras, frequentemente polêmicas, abordam questões sociais com um compromisso quase jornalístico, tornando-o uma figura central na literatura francesa do século XIX.

Primeiros Anos e Educação

Émile Zola nasceu em uma família de classe média e passou sua infância em Aix-en-Provence. Após a morte de seu pai, a família enfrentou dificuldades financeiras, o que marcou profundamente sua visão de mundo e sua literatura. Mudando-se para Paris, Zola tentou ingressar na Universidade de Sorbonne, mas não conseguiu ser aprovado nos exames. Ainda assim, encontrou no jornalismo e na escrita um caminho para se destacar, trabalhando inicialmente como funcionário da editora Hachette antes de se dedicar integralmente à literatura.

Carreira e Contribuições

Zola tornou-se o maior representante do naturalismo, um movimento literário que buscava representar a realidade de forma crua e científica, inspirado pelas teorias do determinismo biológico e social. Seu projeto mais ambicioso foi a série de vinte romances "Les Rougon-Macquart" (1871-1893), que retrata a ascensão e decadência de uma família ao longo do Segundo Império Francês, explorando temas como hereditariedade, classe social e corrupção.

Entre suas obras mais célebres estão Germinal (1885), que denuncia as duras condições de trabalho dos mineiros; Nana (1880), um retrato da degradação moral no ambiente da prostituição de luxo; e L'Assommoir (1877), uma narrativa sobre alcoolismo e miséria na classe operária. Zola também se destacou no campo do jornalismo ao escrever o famoso artigo "J'Accuse...!" (1898), uma denúncia contundente contra a injustiça no caso Dreyfus, um escândalo de perseguição antissemita que dividiu a França.

Impacto e Legado

Zola revolucionou a literatura ao trazer um olhar quase científico para a ficção, explorando os efeitos da sociedade e da genética sobre o destino humano. Sua influência se estendeu para além da literatura francesa, impactando escritores como Theodore Dreiser, James Joyce e até cineastas do realismo social.

Suas descrições detalhadas e seu compromisso com a verdade social fizeram dele um autor contestado, mas também respeitado por seu papel na crítica das instituições e na defesa dos marginalizados. Seu naturalismo influenciou o desenvolvimento do modernismo literário e abriu caminho para novas abordagens no romance do século XX.

Émile Zola morreu em 1902, em circunstâncias suspeitas, por intoxicação com monóxido de carbono em sua residência. Embora a causa tenha sido oficialmente declarada como acidental, há teorias de que tenha sido assassinado devido ao seu engajamento no caso Dreyfus.

Hoje, Zola é considerado um dos maiores romancistas franceses e um pioneiro da literatura social. Seu compromisso com a verdade e sua visão crítica da sociedade continuam a influenciar escritores e intelectuais, reafirmando sua posição como um dos pilares da literatura moderna.

Sobre a obra

Thérèse Raquin é uma intensa exploração da natureza humana, dos desejos reprimidos e das consequências de escolhas passionais. Émile Zola constrói um estudo psicológico e social sobre os impulsos primitivos e a culpa, ambientado na Paris do século XIX. A obra acompanha Thérèse, uma mulher aprisionada em um casamento sem afeto, que se entrega a um relacionamento clandestino com Laurent. O romance disseca as tensões entre desejo e moralidade, destacando a degradação psicológica dos protagonistas após um crime que os une e, ao mesmo tempo, os destrói.

Desde sua publicação, Thérèse Raquin tem sido reconhecido por sua abordagem realista e quase científica da psicologia dos personagens. A narrativa, marcada por um naturalismo implacável, examina como o ambiente e as paixões moldam o destino dos indivíduos. Seu impacto permanece vivo, não apenas pelo retrato cru da culpa e da obsessão, mas também pelo questionamento das convenções sociais e do determinismo humano.

A relevância duradoura do romance está na sua capacidade de expor os conflitos internos e as consequências devastadoras das ações humanas. Ao explorar os limites entre o instinto e a responsabilidade, Zola convida o leitor a refletir sobre a fragilidade da moralidade e a inevitabilidade do castigo psicológico.

PREFÁCIO DO AUTOR

Acreditei ingenuamente que este romance pudesse dispensar prefácio. Tendo por hábito dizer claramente o que penso, e mesmo insistir nos pormenores do que escrevo, esperava ser compreendido e julgado sem explicação prévia. Parece que me enganei.

A crítica acolheu este livro de uma maneira brutal e indignada. Algumas pessoas virtuosas, em jornais não menos virtuosos, fizeram uma careta de asco, pegando-o na pontinha dos dedos para lançá-lo ao fogo. Mesmo as pequenas gazetas literárias, essas gazetas que a cada tarde trazem a crônica das alcovas e dos gabinetes privados taparam o nariz falando de lixo e de podridão. Eu absolutamente não me queixo dessa acolhida; ao contrário, encanta-me constatar que os meus colegas têm nervos sensíveis de mocinhas. É bastante evidente que a minha obra pertence aos meus juízes, e que podem considerá-la nauseabunda sem que eu tenha o direito de protestar. Se eu protesto é porque, a meu ver, nenhum dos pudicos jornalistas que coraram ao ler Thérèse Raquin parece ter compreendido o romance. Se o tivessem compreendido talvez tivessem corado mais ainda, mas pelo menos eu experimentaria a íntima satisfação de os ter enojado com razão. Nada é mais irritante do que ver dignos escritores levantarem-se contra a depravação, quando se está intimamente persuadido de que o fazem sem saber exatamente contra o quê o fazem.

Portanto, tenho de apresentar eu mesmo a minha obra aos meus juízes. Eu o farei em poucas linhas para evitar no futuro qualquer mal-entendido.

Em Thérèse Raquin, eu quis estudar temperamentos e não caracteres. Aí está todo o livro. Escolhi personagens soberanamente dominados pelos nervos e pelo sangue, desprovidos de livre arbítrio, arrastados em cada ato de suas vidas pelas fatalidades da própria carne. Thérèse e Laurent são animais humanos, nada mais. Procurei acompanhar nesses animais o trabalho surdo das paixões, as violências do instinto, os desequilíbrios cerebrais ocorridos na sequência de uma crise nervosa. Os amores dos meus dois heróis são a satisfação de uma necessidade; o crime que cometem é uma consequência do adultério, consequência que aceitam como os lobos aceitam o assassinato dos cordeiros; enfim, o que eu me vi obrigado a chamar de remorso consiste numa simples desordem orgânica, numa rebelião do sistema nervoso tenso a ponto de romper-se. A alma está absolutamente ausente, concordo perfeitamente, uma vez que eu quis assim.

Começa-se, espero, a compreender que o meu objetivo foi um objetivo científico antes de tudo. Quando as minhas duas personagens, Thérèse e Laurent, foram criadas, eu tive o prazer de levantar e resolver determinados problemas: dessa feita, tentei explicar a união estranha que pode se produzir entre dois temperamentos diferentes, mostrei as perturbações profundas de uma natureza sanguínea em contato com uma natureza nervosa. Que se leia o romance com cuidado e ver-se-á que cada capítulo constitui o estudo de um caso curioso de fisiologia. Numa palavra, não tive senão um desejo: considerando um homem vigoroso e uma mulher insaciada, procurar neles o animal, e mesmo ver unicamente o animal, lançá-los num drama violento, e observar escrupulosamente as sensações e os atos desses seres. Eu simplesmente fiz com dois seres vivos o trabalho que os cirurgiões fazem com cadáveres.

Admitam que é difícil, quando se termina semelhante trabalho, ainda mergulhado nos graves prazeres da busca do verdadeiro, ouvir algumas pessoas o acusando de ter tido como único objetivo a exposição de quadros obscenos. Eu me senti como aqueles pintores que copiam nus sem que nenhum desejo se manifeste, e ficam profundamente surpresos quando um crítico se declara escandalizado pelas carnes vivas de sua obra. Enquanto escrevi Thérèse Raquin, esqueci o mundo, mergulhei na cópia exata e minuciosa da vida, entregando-me por inteiro à análise do mecanismo humano, e asseguro que os amores cruéis de Thérèse e Laurent não tinham para mim nada de imoral, nada que pudesse conduzir a paixões perniciosas. A humanidade dos modelos desaparecia como desaparece aos olhos do artista que tem uma mulher nua estendida diante de si, e que pensa unicamente em colocar essa mulher sobre a própria tela na verdade das suas formas e das suas cores. A minha surpresa também foi grande quando ouvi qualificarem a minha obra de poça de lama e de sangue, de esgoto, de imundície, e não sei mais o quê! Eu conheço o joguinho da crítica, eu próprio participei de tudo isso; mas confesso que o conjunto do ataque desconcertou-me um pouco. Qual! Não se apresentou um só dos meus colegas para explicar o meu livro, senão para o defender! Em meio ao concerto de vozes que gritavam: “O autor de Thérèse Raquin é um pobre histérico que se deleita expondo pornografias”, esperei inutilmente uma voz que respondesse: “Ah! não, esse escritor é um simples analista, que talvez tenha se demorado um pouco na podridão humana, mas que o fez como um médico num anfiteatro.”

Notem que eu absolutamente não peço a simpatia da imprensa por uma obra que repugna, diz ela, os sentidos delicados. Não tenho tanta ambição. Espanta-me apenas que os meus colegas tenham feito de mim uma espécie de lixo literário, eles cujos olhos deveriam reconhecer em dez páginas as intenções de um romancista, e contento-me em lhes suplicar humildemente que no futuro tenham a bondade de me ver tal qual eu sou e discutir o meu trabalho por aquilo que eu sou.

Era fácil, entretanto, compreender Thérèse Raquin, colocar-se no campo da observação e da análise, apresentar-me os meus verdadeiros erros, sem precisar recolher lama para me lançar ao rosto em nome da moral. A obra exigia apenas um pouco de inteligência e algumas ideias de conjunto de verdadeira crítica. A acusação de imoralidade em matéria de ciência não prova absolutamente nada. Não sei se o meu romance é imoral, confesso que jamais tive a preocupação de o fazer nem mais nem menos casto. O que eu sei é que nem por um instante pensei em colocar nele as sujeiras levantadas pelos moralistas; ocorre que eu escrevi cada cena, mesmo as mais febris, movido unicamente pela curiosidade do cientista; assim, eu desafio os meus juízes a encontrar nesse livro uma página realmente licenciosa, composta para os leitores daqueles livros água-com-açúcar, daquelas indiscrições de toucador e de bastidores, com tiragem de dez mil exemplares, recomendados calorosamente pelos jornais aos quais as verdades de Thérèse Raquin causaram náusea.

Algumas injúrias, muitas tolices, foi tudo o que eu li até agora sobre a minha obra. Digo-o aqui, tranquilamente, como o diria a um amigo que me perguntasse na intimidade o que penso da atitude da crítica a meu respeito. Um escritor de grande talento, a quem me queixei do pouco de simpatia que tenho encontrado, respondeu-me com essa frase profunda: “O senhor tem um grande defeito que lhe fechará todas as portas: não consegue falar dois minutos com um imbecil sem fazê-lo compreender que é um imbecil.” Talvez seja isso; sinto a situação desvantajosa em que me coloco diante da crítica acusando-a de ininteligência, e não posso, todavia, deixar de expressar o desdém que sinto pelo seu horizonte tacanho e pelos julgamentos que ela faz às cegas, sem o menor espírito de método. Falo, certamente, da crítica corriqueira, daquela que julga com todos os preconceitos literários dos tolos, por incapacidade de se colocar do ponto de vista amplamente humano exigido por uma obra humana para ser compreendida. Eu jamais vi tanta falta de habilidade. Os poucos socos que a pequena crítica desferiu contra mim, por ocasião do lançamento de Thérèse Raquin, perderam-se como sempre no vazio. Em geral ela bate em falso, aplaudindo os entrechats de uma atriz medíocre e protestando em seguida contra a imoralidade de um estudo psicológico, sem compreender nada, sem querer compreender e atacando sempre, se a sua parvoíce em pânico lhe diz para atacar. É exasperante ser atacado por erro que não se cometeu. Há momentos em que lamento não ter escrito obscenidades; tenho a impressão de que ficaria feliz em receber pancadas merecidas, no meio dessa chuvinha de pancadas que caem estupidamente sobre minha cabeça, sem que eu saiba por quê.

Não há, nesse nosso tempo, senão dois ou três homens capazes de ler, compreender e julgar um livro. Desses eu aceito receber lições, persuadido de que não falarão sem ter penetrado as minhas intenções e apreciado os resultados dos meus esforços. Eles evitariam pronunciar belas palavras vazias como moralidade e pudor literário; reconhecer-me-iam, nesses tempos de liberdade da arte, o direito de escolher os meus temas onde melhor me parecesse, exigindo de mim obras conscienciosas, por saberem que apenas a tolice fere a dignidade das letras. Certamente, a análise científica que tentei aplicar em Thérèse Raquin não os surpreenderia; encontrariam aí o método moderno, o instrumento de investigação universal de que o século se serve com tanta febre para perscrutar o futuro. Quaisquer que fossem as suas conclusões, admitiriam o meu ponto de partida, o estudo do temperamento e das modificações profundas do organismo sob a pressão do meio e das circunstâncias. Estaria diante de verdadeiros juízes, de homens que de boa-fé buscam a verdade, sem puerilidade nem falso pudor, que não acreditariam dever se mostrar repugnados diante do espetáculo de peças de anatomia nuas e vivas. O estudo sincero purifica tudo, como o fogo. Por certo, diante do tribunal com que eu me deleito em sonhar nesse momento, minha obra seria bem humilde; pediria para ela toda a severidade dos críticos, gostaria que saísse forrada de correções. Mas pelo menos eu teria tido a alegria profunda de me ver criticar por aquilo que tentei fazer, e não por aquilo que não fiz.

Tenho a impressão de ouvir desde já a sentença da grande crítica, da crítica metódica e naturalista que renovou as ciências, a história e a literatura: “Thérèse Raquin é o estudo de um caso muito excepcional; o drama da vida moderna é mais maleável, menos angustiante no horror e na loucura. Semelhantes casos são rejeitados para o segundo plano de uma obra. O desejo de nada perder das suas observações levou o autor a colocar cada detalhe em evidência, o que deu ainda maior tensão e crueza ao conjunto. Por outro lado, o estilo não apresenta a simplicidade exigida por um romance de análise. Seria necessário, em suma, para que o escritor fizesse um bom romance, que visse a sociedade de uma perspectiva mais ampla, que a retratasse sob seus aspectos múltiplos e variados, e sobretudo que empregasse uma linguagem clara e natural.”

Queria responder em vinte linhas a ataques irritantes pela sua ingênua má-fé, e percebo que me ponho a conversar comigo mesmo, como sempre me acontece quando seguro a pena por muito tempo. Detenho-me, sabendo que os leitores não gostam disso. Tivesse tido a vontade e o tempo de escrever um manifesto, talvez tivesse tentado defender aquilo que um jornalista, falando de Thérèse Raquin, chamou de “a literatura putrefata”. Mas, para quê? O grupo de escritores naturalistas ao qual tenho a honra de pertencer tem coragem e fôlego suficientes para produzir obras fortes, trazendo em si mesmas a própria defesa. É necessária toda a cegueira voluntária de uma certa crítica para forçar um romancista a escrever um prefácio. Já que, por amor da clareza, cometi o erro de escrevê-lo, reclamo o perdão das pessoas de inteligencia, que para ver claramente não precisam que se lhes acenda uma lanterna em pleno dia.

ÉMILE ZOLA

15 de abril de 1868.

THÉRÈSE RAQUIN

I

No fim da rua Guénégaud, quando se vem do Sena, encontra-se o beco da Ponte-Nova, uma espécie de corredor estreito e sombrio que vai da rua Mazarine até à rua De Seine. Com, no máximo, trinta passos de comprimento por dois de largura, este beco é forrado de lajes amareladas, gastas e soltas que continuamente emanam uma umidade acre. O teto de vidro que o cobre, cortado em ângulo, parece preto de tanta sujeira.

Nos belos dias de verão, quando o sol forte queima as ruas, uma claridade esbranquiçada cai dos vidros imundos e arrasta-se miseravelmente pelo beco. Nos dias horríveis de inverno, nas manhãs de nevoeiro, os vidros lançam apenas escuridão sobre as lajes viscosas, uma escuridão manchada e infecta.

À esquerda, cavam-se lojas sombrias, baixas e esmagadas, que deixam escapar baforadas frias de túmulo. Encontram-se ali livreiros, vendedores de brinquedos e cartonageiros, cujas prateleiras, cobertas de pó, dormem vagamente na sombra; as vitrinas, feitas com azulejos pequenos, fazem ondular estranhamente as mercadorias, conferindo-lhes reflexos esverdeados; mais ao fundo, por detrás das prateleiras, as lojas tenebrosas são outros tantos buracos lúgubres, onde se agitam formas bizarras.

À direita, por todo o comprimento do beco, estende-se uma muralha contra a qual os lojistas colocaram estreitos armários; objetos sem nome, mercadorias esquecidas há vinte anos exibem-se sobre tábuas finas pintadas de um tom castanho horrível. Uma comerciante de bijuterias estabeleceu-se num desses armários; ela vende anéis de quinze soídos, delicadamente arranjados sobre um mostruário de veludo azul, no fundo de uma caixa de mogno.

Acima do telhado de vidro, a muralha ergue-se, negra e grosseiramente rebocada, como que coberta de lepra e inteiramente remendada de cicatrizes.

O beco da Ponte-Nova não é um local para passear. As pessoas atravessam-no para encurtar caminho, para ganhar alguns minutos. É atravessado por pessoas apressadas, cuja única preocupação é prosseguir rapidamente em frente. Veem-se aprendizes de avental, operárias que vão entregar as tarefas, homens e mulheres com pacotes debaixo do braço, velhos que se arrastam no lúgubre crepúsculo que despenca dos vidros, bem como bandos de crianças que, à saída da escola, passam por ali para fazer barulho, correndo e batendo com os tamancos sobre as lajes. Durante todo o dia, ouve-se um barulho seco e apressado de passos que ressoam sobre a pedra com uma irregularidade irritante; ninguém fala, ninguém pára; todos correm para os seus afazeres, com a cabeça baixa, andando rapidamente, sem sequer lançar uma olhadela para as lojas. Os comerciantes olham inquietos para os transeuntes que, por um milagre, param diante das suas vitrinas.

À noite, três bicos de gás, encerrados em candeeiros pesados e quadrados, iluminam o beco. Esses bicos de gás, pendurados no teto de vidro sobre o qual lançam manchas de claridade amarelada, deixam cair à sua volta círculos de uma luminosidade pálida que vacilam e parecem sumir por instantes. O beco adquire um aspeto sinistro, como se de um verdadeiro antro se tratasse; grandes sombras alongam-se sobre as lajes, baforadas úmidas chegam da rua; parece uma galeria subterrânea vagamente iluminada por três lâmpadas funerárias. No que diz respeito à iluminação das lojas, os comerciantes contentam-se com os parcos raios que chegam até às suas vitrinas através dos bicos de gás; dentro, acendem apenas uma lâmpada, munida de um quebra-luz, que colocam num canto do balcão, permitindo aos transeuntes distinguir o que há no fundo daqueles buracos onde reina a noite mesmo durante o dia. Na linha pretejada das fachadas, flameja a vitrina de um cartonageiro: duas lamparinas varam a sombra com duas chamas amarelas. Do outro lado, uma vela plantada dentro de um vidro arranca estrelas de luz da caixa de bijuterias. A comerciante cochila no fundo da sua banca, com as mãos escondidas no xale.

Há alguns anos, em frente a esta comerciante, encontrava-se uma loja cuja madeira, de um verde-garrafa, exsudava umidade por todas as frestas. A placa, feita de uma tábua estreita e comprida, trazia a palavra "Armarinho" escrita em letras pretas e, num dos vidros da porta, estava escrito o nome de uma mulher: "Thérèse Raquin", em letras vermelhas. À direita e à esquerda, cavavam-se vitrinas profundas, forradas com papel azul.

Durante o dia, só se conseguia distinguir a prateleira, naquela luz difusa.

De um lado, havia um pouco de lingerie, toucas de tule franzidas por dois ou três francos a peça, mangas e colarinhos de musselina, bem como lãs e meias. Cada objeto amarelado e amarrotado pendurava-se lamentavelmente num gancho de arame. A vitrina, de alto a baixo, encontrava-se cheia de trapos esbranquiçados que adquiriam um aspeto lúgubre na obscuridade transparente. As toucas novas, de um branco esfuziante, provocavam manchas cruas sobre o papel azul que revestia as tábuas. E, penduradas ao longo de um varal, as meias coloridas eram como notas sombrias no debotamento pálido e vago da musselina.

Do outro lado, numa vitrina mais estreita, sobrepunham-se grandes novelos de lã verde, botões pretos pregados em papelões brancos; caixas de todas as cores e tamanhos, coifas com pérolas de aço expostas sobre círculos de papel azulado, feixes de agulhas de tricô, modelos de tapeçaria, rolos de fita, um amontoado de objetos apagados e desbotados que certamente dormiam no mesmo lugar há cinco ou seis anos. Todas as cores haviam passado a cinzento-encardido, naquele armário que apodrecia sob a ação da poeira e da umidade.

Por volta do meio-dia, no verão, quando o sol queimava as praças e as ruas com raios de fogo, era possível ver, por detrás das toucas da outra vitrina, um perfil pálido e grave de mulher jovem. Esse perfil saía vagamente das trevas que reinavam na loja. Um nariz longo, estreito e afilado, ligava-se a uma testa baixa e curta; os lábios eram dois finos traços de um rosa pálido e o queixo, pequeno e nervoso, ligava-se ao corpo por uma linha elástica e espessa. Não se via o corpo que se perdia na sombra; apenas o perfil aparecia, de uma brancura fosca, com um olho preto arregalado e esmagado sob uma espessa cabeleira escura. Ficava ali, imóvel e tranquila, durante horas, entre duas toucas nas quais os varais úmidos haviam deixado marcas de ferrugem.

À noite, quando a lâmpada estava acesa, era possível ver o interior da loja. Era mais comprida que profunda; numa das extremidades encontrava-se um pequeno balcão e, na outra, uma escada em espiral que conduzia aos cômodos do primeiro andar. Nas paredes estavam encostadas vitrinas, armários e fileiras de caixas verdes; quatro cadeiras e uma mesa completavam a mobília. O espaço parecia deserto e glacial; as mercadorias, empacotadas e amontoadas nos cantos, não se misturavam com o seu alegre estardalhaço de cores.

Normalmente, havia duas mulheres sentadas atrás do balcão: uma jovem de perfil grave e uma senhora idosa que sorria enquanto cochilava. Esta última tinha cerca de sessenta anos; o seu rosto cheio e plácido embranquecia sob a claridade da luz. Um grande gato rajado, acocorado num canto do balcão, observava-a a dormir.

Um pouco mais longe, um homem de cerca de trinta anos lia ou conversava em voz baixa com a jovem mulher, sentado numa cadeira. Era pequeno, franzino, de aspeto lânguido, cabelos de um loiro aguado, a barba rala, o rosto coberto de sardas, lembrando uma criança doente e mimada.

Pouco antes das dez horas, a idosa acordou. A loja fechava e toda a família subia para se deitar. O gato rajado acompanhava os seus donos, a ronronar e a esfregar a cabeça nas barras do corrimão.

No andar de cima, o alojamento era composto por três divisões. A escada levava até uma sala de jantar que também servia de sala de estar. À esquerda, num nicho, ficava uma estufa de faiança; em frente, erguia-se um bufê; havia cadeiras encostadas às paredes e uma mesa redonda, completamente aberta, ocupava o centro do espaço. No fundo, por trás de uma divisória de vidro, encontrava-se uma cozinha escura. Havia um quarto de cada lado da sala de jantar.

Depois de ter beijado o filho e a nora, a velha senhora recolhia-se no seu quarto. O gato dormia sobre uma cadeira na cozinha. Os cônjuges entravam no seu quarto. Este tinha uma segunda porta que dava para uma escada que levava a um beco, por um caminho escuro e estreito.

O marido, que tremia constantemente de febre, punha-se na cama; nesse meio tempo, a mulher abria a janela para fechar as venezianas. Ficava ali, por alguns minutos, diante da grande parede negra e grossa que se ergue e se estende acima da galeria. Passeava sobre esse paredão um olhar vago e, em silêncio, vinha deitar-se, num gesto de indiferença desdenhosa.

II

A senhora Raquin era uma antiga comerciante de Vernon. Durante quase vinte e cinco anos, viveu numa loja de armarinho nessa cidade. Alguns anos após a morte do marido, exausta, vendeu o estabelecimento. As suas economias, somadas ao valor da venda, proporcionaram-lhe um capital de quarenta mil francos, que aplicou e que lhe rendia dois mil francos. Esse valor devia bastar-lhe largamente. Levava uma vida reclusa, ignorando as alegrias e os cuidados pungentes desse mundo; construíra para si uma existência de paz e felicidade tranquila.

Alugou, por quatrocentos francos, uma casinha cujo quintal descia até às margens do Sena. Era uma morada fechada e discreta que tinha vagos odores de claustro; um caminho estreito conduzia a esse retiro situado no meio de vastas campinas; as janelas da casa davam para o rio e para as encostas desertas da outra margem. A boa senhora, que já passava dos cinquenta, fechou-se no fundo dessa solidão e desfrutou de alegrias serenas com o filho Camille e a sobrinha Thérèse.

Camille tinha então vinte anos. A mãe continuava a mimá-lo como quando era criança. Ela adorava-o por tê-lo disputado à morte durante um longo período de sofrimento. A criança teve todas as febres e todas as doenças imagináveis, uma após a outra. A senhora Raquin travou uma luta de quinze anos contra esses terríveis males que vinham de enfiada para lhe arrancar o filho. Venceu-os a todos com paciência, cuidados e adoração.

Camille, já crescido e salvo da morte, continuou abalado pelas repetidas agitações que lhe maceraram a carne. Interrompido no seu crescimento, ficou pequeno e raquítico. Os seus membros descarnados tinham movimentos lentos e cansados. A mãe amava-o ainda mais por causa dessa fraqueza que o curvava. Olhava para aquele pobre rostinho empalidecido com ternuras triunfantes e pensava que lhe havia dado a vida mais de dez vezes.

Nas raras tréguas que o sofrimento lhe concedia, o menino frequentou uma escola de comércio em Vernon. Aprendeu ortografia e aritmética. A sua ciência limitou-se às quatro operações e a um conhecimento muito superficial da gramática. Mais tarde, frequentou aulas de escrituração e de contabilidade. A senhora Raquin ficava a tremer quando lhe aconselhavam a mandar o filho para o colégio; sabia que longe dela ele morreria, afirmava que os livros o matariam. Camille ficou ignorante e a sua ignorância acrescentou-lhe uma fraqueza adicional.

Aos dezoito anos, desocupado e moralmente aborrecido no conforto em que a mãe o envolvia, foi trabalhar com um comerciante de tecidos como escriturário, ganhando sessenta francos por mês. Era de um espírito inquieto, o que tornava a ociosidade insuportável. Encontrava-se mais calmo e mais saudável com aquela corveia, aquele trabalho embrutecedor que o obrigava a passar o dia inteiro sobre faturas, sobre contas enormes das quais balbuciava pacientemente cada algarismo. À noite, exausto e com a cabeça vazia, entregava-se a volúpias infinitas no fundo do entorpecimento que se apoderava dele. Teve de discutir com a mãe para poder trabalhar com o comerciante de tecidos; ela queria mantê-lo sempre junto de si, debaixo das cobertas, longe dos acidentes da vida. O rapaz teve de impor a sua vontade; reclamou o trabalho como outras crianças reclamam um brinquedo, não por consciência do dever, mas por instinto, por necessidade da natureza. Os carinhos e os cuidados da mãe deram-lhe um egoísmo feroz; acreditava amar aqueles que o lamentavam e que o acariciavam. No entanto, na realidade, vivia num mundo à parte, no fundo de si mesmo, amando apenas o seu próprio bem-estar e procurando por todos os meios possíveis aumentar os seus prazeres. Quando a afeição enternecida da senhora Raquin o repugnou, entregou-se com delícias a uma ocupação estúpida que o salvava das infusões e dos chás. À noite, ao regressar do escritório, corria para as margens do Sena com a prima Thérèse.

Thérèse estava prestes a completar dezoito anos. Um dia, dezasseis anos antes, quando a senhora Raquin ainda era comerciante, o seu irmão, o capitão Degans, trouxe-lhe uma menina nos braços. Ele tinha chegado da Argélia.

— Você é tia desta criança — disse ele, com um sorriso. A mãe dela morreu... Não sei o que fazer com ela. Agora é sua.

A comerciante pegou na criança, sorriu-lhe e beijou-lhe as bochechas rosadas. Degans ficou oito dias em Vernon. A irmã pouco perguntou sobre a menina que ele lhe estava a dar. Soube por alto que a menina nascera em Oran e que a sua mãe era uma índia de grande beleza. Uma hora antes de partir, o capitão entregou à irmã a certidão de nascimento na qual Thérèse, que ele reconhecia, trazia o seu nome. Partiu e ninguém mais o viu; alguns anos mais tarde, morreu na África.

Thérèse cresceu, deitada na mesma cama que Camille, sob os mornos carinhos da tia. Tinha uma saúde de ferro e recebia os cuidados de uma criança franzina, partilhando os remédios que o primo tomava e mantendo-se no quarto quente ocupado pelo pequeno enfermo. Durante horas, ficava agachada diante da lareira, pensativa, olhando de frente para as chamas, sem baixar as pálpebras. Aquela vida forçada de convalescente fez com que se tornasse introvertida; passou a falar em voz baixa, a caminhar sem fazer barulho, a ficar calada e imóvel sobre uma cadeira com os olhos abertos e vazios de olhar. E, quando ela levantava um braço ou adiantava um pé, notava-se nela elasticidade felina, músculos curtos e possantes, toda uma energia e paixão que se escondiam na sua carne adormecida. Um dia, o primo caiu, dominado pela fraqueza; ela ergueu-o e transportou-o com um gesto brusco, o que lhe provocou um ardor intenso no rosto. A vida enclausurada que levava, o regime debilitante ao qual estava submetida, não puderam enfraquecer o seu corpo magro e vigoroso; apenas lhe conferiram uma tez pálida e ligeiramente amarelada, tornando-a quase feia, e fazendo com que vivesse na sombra. Por vezes, aproximava-se da janela e contemplava as casas em frente, sobre as quais o sol lançava manchas douradas.

Quando a senhora Raquin vendeu a sua propriedade e se retirou para a casinha à beira do rio, Thérèse ficou secretamente alegre. A tia censurava-a com tanta frequência: "Não faça barulho, fique quietinha", que ela mantinha cuidadosamente escondidos no fundo de si todos os ímpetos da sua natureza. Tinha um extremo sangue-frio, uma aparente tranquilidade que ocultava acessos de ira terríveis. Acreditava sempre estar no quarto do primo, junto a uma criança moribunda; tinha movimentos comedidos, silêncios, momentos de placidez e palavras balbuciadas de uma mulher velha. Ao ver o jardim, o rio transparente e as vastas encostas que subiam até ao horizonte, ficou tomada por um desejo selvagem de correr e gritar; sentiu o coração a saltar-lhe dentro do peito, mas nem um músculo do seu rosto se mexeu; limitou-se a sorrir quando a tia perguntou se a nova casa lhe agradava.

A vida tornou-se melhor para ela. Continuou com os movimentos delicados, a fisionomia calma e indiferente, e a ser a menina criada na cama de um enfermo; mas viveu interiormente uma existência fogosa e arrebatada. Quando estava sozinha, na relva, à beira do rio, deitava-se de barriga para baixo, como um animal, com os olhos negros e arregalados, o corpo tenso, pronta para saltar. E ficava ali, durante horas, sem pensar em nada, fisgada pelo sol, feliz por poder fincar os dedos na terra. Tinha sonhos loucos; olhava com desafio o rio que estrondava, imaginando que a água se lançaria sobre ela e a atacaria. Então, retesava-se, preparava-se para a defesa e perguntava-se com raiva como poderia vencer as ondas.

À noite, Thérèse, acalmada e silenciosa, corria para junto da tia; o seu rosto parecia adormecer na claridade que escorria suavemente do candeeiro. Camille, enterrado no fundo de uma poltrona, pensava nas suas contas. Só uma ou outra palavra, dita em voz baixa, perturbava, por instantes, a paz desse interior adormecido.

A senhora Raquin olhava os filhos com uma bondade serena. Tinha decidido casá-los. Sempre os tratou como se fossem moribundos; tremia ao pensar que um dia morreria e os deixaria sozinhos com um doente. Por isso, contava com Thérèse; dizia a si mesma que a jovem seria uma sentinela vigilante junto de Camille. A sobrinha, com o seu semblante tranquilo e o seu devotamento silencioso, inspirava-lhe uma confiança sem limites. Conhecia o seu valor e queria oferecê-la ao filho como um anjo da guarda. Esse casamento era um desfecho previsto e decidido.

As crianças sabiam há muito tempo que um dia se iriam casar. Cresceram com esse pensamento, que lhes era tão familiar e natural. Falava-se dessa união na família como de algo necessário e inevitável. A senhora Raquin tinha dito: “Vamos esperar que a Thérèse complete vinte e um anos.” E eles esperavam pacientemente, sem febre, sem corar.

Camille, cujo sangue havia sido empobrecido pela doença, não conheceu os desejos ásperos da adolescência. Não deixou de ser criança diante da prima, beijando-a como beijava a mãe, por hábito, sem nada perder da sua tranquilidade egoísta. Via nela uma amiga agradável que o fazia sentir-se menos aborrecido e que, quando necessário, preparava-lhe infusões. Quando brincava com ela e a segurava nos braços, era como se segurasse um menino; a sua carne não se mexia. Nesses momentos, jamais teria tido a ideia de beijar os lábios cálidos de Thérèse, que se debatia, a rir de forma nervosa.

A jovem também parecia permanecer fria e indiferente. Por vezes, detinha os seus grandes olhos em Camille e o observava durante vários minutos com uma fixidez de uma calma soberana. Apenas os lábios tinham pequenos movimentos imperceptíveis. Nada se podia ler sobre aquele rosto rijo que uma vontade implacável mantinha sempre suave e atento. Quando se falava do casamento, Thérèse tornava-se séria, limitando-se a concordar com tudo o que a senhora Raquin dizia. Camille adormecia.

No verão, à noite, os dois jovens escapavam para a beira do rio. Camille irritava-se com os cuidados incessantes da mãe: revoltava-se, queria correr, protestar, fugir dos carinhos que lhe provocavam náuseas. Então, arrastava Thérèse, incitava-a a lutar, a atirar-se para a relva. Um dia, empurrou a prima e fez com que esta caísse; ela levantou-se de um salto, com a selvageria de um animal, e, com as faces ardentes e os olhos vermelhos, precipitou-se sobre ele com os dois braços erguidos. Camille deixou-se cair no chão. Ele ficou com medo.

Passaram-se os meses, os anos. Chegou o dia do casamento. A senhora Raquin chamou Thérèse de lado, falou-lhe do seu pai e da sua mãe, contou-lhe a história do seu nascimento. A jovem ouviu a tia, depois beijou-a sem dizer uma única palavra.

Ao invés de entrar no quarto à sua esquerda, ao fim da noite, Thérèse entrou no quarto do primo à sua direita.

Essa foi a única mudança que ocorreu na sua vida naquele dia. No dia seguinte, quando os jovens esposos desceram, Camille mantinha a sua languidez doentia, a sua santa tranquilidade de egoísta. Thérèse conservava sempre a mesma indiferença doce, o mesmo semblante contido e estarrecedor de calma.

III

Oito dias depois do casamento, Camille disse claramente à mãe que tinha a intenção de deixar Vernon e ir viver para Paris. A senhora Raquin protestou, afirmando que já tinha organizado a sua vida e não queria mudá-la em nada. O filho teve uma crise de nervos, ameaçando ficar doente se ela não cedesse ao seu capricho.

— Nunca a contrariei nos seus projetos — disse ele — casei-me com a minha prima e tomei todos os remédios que me deu. É o mínimo que eu tenha hoje uma vontade e que a senhora esteja de acordo... Partimos no fim do mês.

A senhora Raquin não dormiu naquela noite. A decisão de Camille perturbava-lhe a vida e ela procurava desesperadamente reconstruir a sua existência. Aos poucos, recuperou a calma. Pensou que o jovem casal podia querer ter filhos e que a sua pequena fortuna já não seria suficiente. Era preciso ganhar mais algum dinheiro, voltar ao comércio e arranjar uma ocupação lucrativa para a Thérèse. No dia seguinte, já se tinha habituado à ideia da partida e concebera um plano para uma vida nova.

No pequeno-almoço, estava radiante.

— Eis o que vamos fazer — disse ela aos filhos. Amanhã vou a Paris; procurarei uma loja de armarinho e eu e a Thérèse voltaremos a vender linhas e agulhas. Isso manter-nos-á ocupadas. Tu, Camille, faz o que quiseres; passeia ao sol ou arranja um emprego.

— Encontrarei um emprego, respondeu o rapaz.

A verdade é que nada mais que uma ambição tola levou Camille a decidir partir. Queria ser funcionário numa grande administração; ficava vermelho de prazer quando, em sonho, se via no meio de um vasto escritório, com mangas de lustrina e a pena na orelha.

Thérèse não foi consultada, pois sempre demonstrou uma obediência passiva tão grande que a tia e o marido não se davam ao trabalho de pedir a sua opinião. Seguiria para onde quer que fossem, faria o que quer que fizessem, sem uma queixa, sem uma crítica, sem sequer parecer dar-se conta de que estava a mudar de lugar.

A senhora Raquin veio para Paris e dirigiu-se diretamente ao beco da Ponte-Nova. Uma velha senhora de Vernon recomendou-a a uma das suas parentes que mantinha nesse beco um comércio de armarinho do qual desejava desfazer-se. A antiga comerciante considerou a loja um pouco pequena e escura, mas, ao atravessar Paris, assustou-se com o barulho das ruas e o luxo das vitrinas. A galeria estreita e as vitrinas modestas lembraram-lhe a sua antiga loja, tão tranquila. Ainda conseguiu imaginar o interior e, ao fazê-lo, pensou que os seus queridos filhos seriam felizes naquele canto ignorado. O preço modesto da loja fez com que decidisse vendê-la por dois mil francos. O aluguer da loja e do primeiro andar era de apenas mil e duzentos francos. A senhora Raquin, que tinha cerca de quatro mil francos de poupanças, calculou que poderia pagar o fundo e o primeiro ano de aluguer sem recorrer à sua fortuna. Os vencimentos de Camille e os rendimentos do comércio de armarinho bastariam, pensava ela, às necessidades diárias, de forma que não tocaria mais nas suas rendas, fazendo aumentar o capital para o deixar aos netos.

Voltou radiante a Vernon, dizendo que tinha encontrado uma pérola, um cantinho delicioso no coração de Paris. Pouco a pouco, ao cabo de alguns dias, nas suas conversas à noite, a loja úmida e escura do beco tornou-se um palácio; no fundo das suas lembranças, revia-a confortável, ampla, tranquila e cheia de vantagens incalculáveis.

— Ah! minha boa Thérèse, como seremos felizes lá! Há três belos quartos no andar de cima... Há muita gente na rua... Faremos vitrinas atraentes... Olha, o que é que vamos é divertir-nos.

E ela não se cansava. Todos os seus instintos de velha comerciante despertaram; dava, desde já, conselhos a Thérèse sobre a venda, as compras e as artimanhas do pequeno comércio. Enfim, a família deixou a casa na margem do Sena e, na noite do mesmo dia, instalou-se no beco da Ponte-Nova.

Quando Thérèse entrou na loja onde passaria a viver, pareceu-lhe que descia por um caminho pegajoso de terra, como se estivesse numa sepultura. Uma espécie de nojo invadiu-lhe a garganta e ela teve arrepios de medo. Olhou para a galeria suja e úmida, inspecionou a loja, subiu ao primeiro andar e entrou em cada divisão vazia; a solidão e a ruína daquelas salas eram estarrecedoras. A jovem não fez um gesto, nem proferiu uma palavra. Estava como que petrificada. A tia e o marido tinham descido; ela sentou-se sobre um baú, com as mãos crispadas, a garganta cheia de soluços, sem conseguir chorar.

A senhora Raquin, ao confrontar-se com a realidade, ficou embaraçada e envergonhada pelos seus sonhos. Tentou defender a sua aquisição. Encontrava uma explicação para cada novo inconveniente que se apresentava: a escuridão era explicada pelo tempo encoberto e uma boa vassourada era o que faltava para resolver tudo.

— Ora! — respondia Camille —, tudo está muito bem... Além disso, só subiremos aqui à noite. Eu não voltarei a casa antes das cinco ou seis horas... As duas ficarão juntas e não se aborrecerão.

O rapaz jamais teria consentido viver numa espelunca daquelas, se não contasse com o prazer mórbido do tal escritório. Dizia a si mesmo que sentiria calor o dia todo na administração e que, à noite, deitava-se cedo.

Durante uma longa semana, a loja e a casa ficaram em desordem. Desde o primeiro dia, Thérèse sentou-se atrás do balcão e não arredou pé dali. A senhora Raquin ficou espantada com aquela atitude de abatimento; acreditara que a jovem procuraria embelezar a casa, que colocaria flores nas janelas, pediria papéis novos, cortinas e tapetes. Quando sugeria uma reparação ou um arranjo qualquer:

— Para quê! — respondia tranquilamente a sobrinha. — Estamos muito bem, não precisamos de luxo.

Foi a senhora Raquin quem teve de arrumar os quartos e pôr um pouco de ordem na loja. Thérèse acabou por perder a paciência por a ver sempre a trançar; contratou uma mulher de limpeza e forçou a tia a vir sentar-se junto dela.

Camille ficou um mês sem conseguir emprego. Vinha o menos possível à loja, perambulava o dia todo. Foi tomado a tal ponto pelo tédio que chegou a falar em voltar para Vernon. Acabou por entrar para a administração da estrada de ferro de Orleans. Ganhava cem francos por mês. O seu sonho estava realizado.